Mesmo não estando tão ativos como desejamos (aprendendo a tatear noutras redes sociais: https://twitter.com/FeeCidadania;
http://www.scoop.it/t/fe-e-cidadania;
http://www.facebook.com/pages/F%C3%A9-e-Cidadania/192715874099051),
esperamos, no decorrer do próximo ano, dar outro dinamismo a este blogue.
Aproveitamos para deixar um simples voto de Santo Natal. É
difícil encontrar palavras “bonitas” para transmitir neste momento, algumas
delas já muito gastas. Também não pretendemos entrar em hipocrisias, em vãos
sentimentalismos.
Deixamos a palavra a quem a tem:
Para haver Natal este natal
Para haver Natal este natal
talvez seja preciso reaprendermos
coisas tão simples!
Que as mãos preocupadas
com embrulhos
esquecem outros gestos de amor.
Que os votos rotineiros que trocamos
calam conversas que nos fariam melhor.
Que os símbolos apenas se amontoam
e soltam uma música triste
quando já não dizem
aquela verdade profunda.
Para haver Natal este natal
talvez seja preciso recordar
que as vidas começam e recomeçam
e tudo isso é nascimento (logo, Natal!).
Que as esperanças ganham sentido
quando se tornam caminhos e passos.
Que para lá das janelas cerradas
há estrelas que luzem
e há a imensidão do céu.
Talvez nos bastem coisas afinal
tão simples:
o alento dos reencontros
autênticos,
a oração como confiança
soletrada,
a certeza de que Jesus nasce
em cada ano,
para que o nosso natal alguma vez, esta vez,
seja Natal.
P.
José Tolentino Mendonça
Secretariado
Nacional da Pastoral da Cultura
21/12/2012
http://www.snpcultura.org/advento_2012.html#advento_2012_dia_21
O regresso a
um país desconhecido
.
Talvez tenha chegado o momento de empreendermos um renovado e
possivelmente longo processo de emigração. Desta vez, não já para o Brasil nem
para França, mas para um novo destino, porventura bem mais longínquo e
inacessível: Portugal.
De facto, o que hoje ocorre de mais significativo e profundo em Portugal –
apesar de continuarmos envoltos no nevoeiro desta crise – é o choque da
realidade, é a “descoberta” ou a “revelação” do país que estava simplesmente
empurrado para debaixo do tapete. É como se a imagem impressa no papel branco
de fotografia, invisível enquanto não mergulha no ácido, estivesse agora a
surgir lentamente sob os nossos olhos espantados, no momento exatamente em que Portugal está a
ficar submerso num líquido algo viscoso e corrosivo.
Mas, "depois deste curto intervalo", Portugal aí está de regresso:
Somos um país pobre, com poucos recursos materiais;
Somos uma sociedade ainda muito dependente do Estado (porque este gera e
obsessivamente alimenta na sua quase completa dependência), um país tristemente
ofuscado na dependência que gera dependência;
Somos um país que apenas começou a submergir da ignorância e do obscurantismo
cultural, que impregnou secularmente os tecidos sociais e culturais do poder e
da submissão;
Somos um país pequeno, muito periférico e com muito pouca relevância no mercado
mundial globalizada e financeiro;
Somos um país que realizou, no pós-25 de Abril, investimentos infraestruturais
gigantescos e grande parte desnecessários, mas que aí estão;
Somos isto e muito mais: uma belíssima fatia de terra, banhada pelo sol e
debruçada sobre o mar, uma cultura viva e encolhida na garganta de tantas vozes
e no rumor de tantas súplicas, um espírito de grande abertura ao mundo, com
firme vontade de partir, cais de partidas sem fim, um país que pode vir a ter
um serviço nacional de saúde exemplar, que conta com um serviço de educação em
franco progresso, que se orgulha de uma língua que as suas gentes espalharam
pelo mundo, fazendo dele um mundo humanamente muito melhor, ...
Os portugueses, esta nova geração emigrante no seu próprio país, estão
triplamente desenraizados: (i) diante da representação omnipresente de um
passado heróico, em que fomos os maiores do mundo, está a realidade de um
Portugal inscrito em várias listas negras, cheio de dívidas e a carregar
"castigos" internacionais por se ter pedido mais do que podia pagar;
(ii) diante de um Portugal fantástico, o dos últimos quarenta anos, onde o
dinheiro não faltava, onde se fantasiou e se executaram incalculáveis
devaneios, estádios que não servem para nada, auto-estradas onde quase ninguém
circula e equipamentos públicos que servem para muito pouco; (iii) diante de um
presente dramático, em que redescobrimos um Portugal impossível, seja porque é
impossível regressar aos últimos quarenta anos, seja porque não se vislumbra ao
que seja possível regressar ou quais sejam as vias para atualmente nos
regenerarmos. Este é um momento de grande dor e sofrimento para a generalidade
dos portugueses, porque estamos obrigados, num período curto, para lá do
desemprego, da pobreza e da miséria, já de si dramáticos, a fazer um luto
bastante pesado sobre o nosso próprio país.
Vagueamos, atordoados, no nosso próprio país, pisando a nossa própria terra:
não percebemos a linguagem que agora enche o quotidiano, desconhecemos os
hábitos e procedimentos que são agora recomendados, as palavras-chave mudaram
de sentido ou são mesmo novas. Tudo isto é estranho, muito estranho, tão
estranho que lhe somos estrangeiros: frugalidade, poupança, humildade,
simplicidade, busca do essencial, "amor como critério de gestão",
sustentabilidade, lentidão, silêncio, E agora é preciso aprender quase tudo de
novo. Sim, esse é o grande desafio e o grande problema. As questões de fundo
prendem-se com a possibilidade de os portugueses, emigrantes na sua própria
terra, serem capazes de fazer o luto deste passado e deste tipo de presente e
de se envolverem na construção de um Portugal possível, ao alcance da nossa
mão, por nós controlado, emanação da nossa cidadania e da nossa real participação
social e política.
De outro modo, o vazio vai desgastar as energias sobrantes, o sem sentido vai
preencher toda a sede de sentido, a errância vai ser o caminho quotidiano. E
que mais deseja o estrangeiro em terra alheia? Inserir-se o melhor possível
localmente, adoptando as mais variadas estratégias de sobrevivência, que passam
tantas vezes por fechar-se numa concha e, logo que possível, regressar à sua
terra, às suas raízes. Regresso que, neste caso, é uma impossibilidade real
(pois ninguém [??] quer voltar a um passado que gerou um tão angustiante
presente). Resta, pois, a revolta e a adopção individualizada de modelos de
sobrevivência.
Por isso, é tão decisivo, porque profundamente arreigado na cultura comum, o
momento que vivemos. Fazer o luto (o desmoronamento) de certos valores,
hábitos, procedimentos, expectativas e desejos não vai ser fácil, mas pode
resultar consideravelmente de uma imposição externa; encontrar e adoptar (a
reconstrução) novos valores, hábitos, procedimentos, referências e expectativas,
isso não se imporá de fora para dentro, mas só pode resultar de uma expiração,
de dentro para fora, no que será igualmente uma autêntica expiação.
Num tempo destes, o mais fácil será fazer do populismo e da demagogia as
principais forças motrizes de canalização, no espaço público, dessa revolta e
dessa iminente impossibilidade de regresso. Agitar o vento, para pessoas sem
raízes, é um meio eficaz de as levar atrás de qualquer coisa, com destaque para
a corrida atrás tanto de um passado sempre possível de ser assinalado como
espectacular, como de um futuro completamente utópico e perfeito. As pessoas
estão a precisar, e depressa, de se agarrar a algo de muito concreto, por mais
inverosímil que lhes pareça. Acreditar, confiar, ser parte.
Em alternativa, ou seja, a via crucis, implica sairmos de casa e irmos
conversar construtivamente uns com os outros, o que não é nada fácil; implica
esconjurar o medo pela via do diálogo, pela participação cívica e política,
pela lenta e humilde edificação, com as nossas próprias mãos, de um futuro
possível, devidamente por nós ponderado, capaz de integrar as várias gerações
vivas; requer disponibilidade para acolher o outro, o diferente, e para a
construção solidária de dias melhores, com compromissos locais muito concretos;
implica tecer a filigrana da ligação, da entreajuda, da rede, da comunidade,
para podermos alcançar em comum dias melhores; subentende a verdade, a
esperança sustentada na verdade e o estabelecimento de novos horizontes, novas
prioridades e metas, longe de qualquer fantasia, o que não é fácil, sobretudo
porque os nossos actuais líderes estão porventura mais desenraizados ainda do
que o comum dos cidadãos, pois vivem no mesmo mundo, com os mesmos problemas,
com a diferença que são chamados a liderar o processo de regresso a um país
desconhecido que, como nós, desconhecem, afastados de qualquer profunda e
humana esperança.
Este é um tempo extraordinário, que já colocou em cima da mesa desafios
extraordinários, que requerem ponderações e decisões extraordinárias. E o mais
extraordinário é isto: cada um tem de mudar de vida! E isto não se passa na
casa do vizinho, não dá para fazermos de conta, pois, cada uma e cada um, somos
agora emigrantes na nossa própria terra. Queremos regressar a que futuro? Que valor
queremos passar a gerar, em cima de que valores culturais sociais?
Uma coisa é certa: quem hoje semeia entre lágrimas, há de recolher as espigas
por entre canções de alegria.
Joaquim Azevedo
Pastoral da Cultura – Porto
23/12/2012
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