Introdução:
A minha consciência cristã, em particular católica, por via das Sagrada
Escritura e da denominada Doutrina
Social da Igreja (DSI), e de cidadão levam-me a intervir neste debate a que
não podemos ser indiferentes. É um direito e, simultaneamente, um dever.
Não o faço como especialista de nada, muito menos como “doutor” em
economia e finanças, mas enquanto cristão comprometido e cidadão empenhado, à
minha pequena escala.
O meu apoio ao Manifesto
Preparar a reestruturação da dívida para
crescer sustentadamente (versão
pdf) e à petição pública
que o suporta não é feito contra ninguém em concreto, mas sim por um caminho
alternativo e de fuga à ditadura de pensamento único que vivemos.
Precisamos de uma economia dinâmica e de contas públicas rigorosas,
contudo tendo no centro a Dignidade da Pessoa Humana.
Podendo haver diferentes intenções por parte de quem assinou o
Manifesto, mas, a mensagem, em si, é o mais importante. Existirão mais alternativas
além da “oficial”. No entanto, considero que este Manifesto é muito mais
respeitador do Ser Humano.
Tenhamos em conta que o documento salienta que paguemos a dívida e
sejamos honrados nos nossos compromissos. Que não haja dúvidas quanto a isso.
Todavia, o que se pretende é uma economia, um sistema financeiro e político ao
serviço da Pessoa e não ao contrário. “O Sábado foi feito para o Homem e não o
Homem para o Sábado” (Marcos 2,27).
Personalidades como Adriano Moreira (um dos maiores académicos e
ilustres pensadores portugueses); Alfredo Bruto da Costa (actual presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz – CNJP-,
organismo laical da Conferência Episcopal Portuguesa);
Bagão Félix (antigo presidente da CNJP); Eugénio da Fonseca (Presidente da Cáritas
Portuguesa); Manuela Silva (economista com fortes preocupações sociais) e
Rui Marques (activista de causas sociais, fundador e presidente do extinto
Movimento Esperança Portugal), católicos activos, empenhados, profundamente
conhecedores e praticantes da DSI, dão um cunho de rigor ao Manifesto e de
preocupação com o Bem Comum e não com o “deus mercado”.
Estas personalidades abrangem um espectro político, ideológico e de
pensamento bastante alargado. No entanto, convergem no essencial: o serviço à
Pessoa Humana, criada por Deus para viver em harmonia e fraternidade e não
subjugada por interesses ocultos e “senhores sem
rosto” (expressão dos Bispos de Portugal, numa mensagem de 10 de Novembro
de 2011).
A actual situação portuguesa e europeia:
A actual situação de Portugal e dos países sob resgate financeiro ou
com fortes medidas de austeridade traz-me à memória o discurso de Jesus sobre o
“perdão na
comunidade” (Mateus 18, 21-35), em que um servo devia dez mil talentos
(quantia enorme) e, por compaixão, o seu Senhor perdoou-lhe, mas o servo já não
teve a mesma atitude para com um dos seus companheiros, que lhe devia um
quantia infinitamente menor: Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o,
dizendo: “Paga o que me deves!”
Não haverá
perdoados que nos estão a esganar o pescoço?
Esta semana foi publicado pela Caritas Europa o documento “A
crise europeia e o seu custo humano”, segundo relatório de acompanhamento
da crise em Portugal, Itália, Grécia, Espanha, Irlanda, Roménia e Chipre. As
conclusões são elucidativas e preocupantes:
- Altos níveis de desemprego,
com quatro destes países a terem índices superiores aos da média da UE;
- Elevados níveis de desemprego
jovem;
- Desemprego de longa duração
em todos os países, com taxas significativas e correndo o risco de se
tornar em desemprego estrutural;
- Aumento da pobreza na maioria
destes países, com particular incidência na pobreza infantil;
- Coesão social da Europa e a
legitimidade política da União Europeia em risco;
- A insustentabilidade dos
contribuintes continuarem a ser os pagadores das dívidas dos bancos;
- A injustiça de as pessoas que
pagam o preço mais alto actualmente são aquelas que não tiveram parte nas
decisões que levaram à crise, e os países mais afectados estão entre
aqueles com as maiores lacunas nos seus sistemas de protecção social, de
modo que são menos capazes de proteger os mais frágeis.
Destacamos algumas ideias da nota
de imprensa da Cáritas Portugal sobre o relatório, as quais subscrevo
integralmente:
·
… injustiça da actual situação em
que são os contribuintes, a maioria deles já em condições de fragilidade
económica, a pagar por uma crise que tem a sua raiz no sector financeiro.
·
O relatório, hoje apresentado,
pretende dar mais um contributo para uma reflexão que não pode ser
exclusivamente económica e financeira, mas de ordem política mais abrangente,
tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento assente numa maior equidade
social.
·
Garantir que os cristãos
católicos, por toda a UE, assumam o desafio de aplicar na sua vida e na esfera
das suas influências os princípios da Doutrina Social da Igreja não excluindo
outras opiniões, dialogando com outras confissões religiosas e partilhando os
mesmos ideais com todas as pessoas de boa vontade.
·
Estão frescas, na minha lembrança, as imagens de uma fila com largas dezenas
de pessoas a aguardarem a abertura de uma delegação da Segurança Social para
requererem o subsídio de desemprego e outras largas dezenas, em mais do que uma
vez, esperando por uma sopa quente que lhes pudesse enganar o estômago.
Esta dura realidade é muito reveladora da crise social, fruto da
cegueira da austeridade a qualquer preço.
A Doutrina Social da Igreja:
Estaremos atentos à DSI e à sabedoria bíblica? Não serão
suficientemente esclarecedoras quanto à centralidade da Pessoa Humana?
Só se estivermos desatentos é que não percebemos (ou fazemos não
perceber) a mensagem clara do Papa Francisco, na sua primeira Exortação
Apostólica, “A
Alegria do Evangelho”: “Esta economia mata” porque predomina “a lei do mais
forte”. São elucidativos, alguns pontos da sua Exortação:
Na Intenção
Universal para o mês de Abril, o Papa roga: Para que os governantes promovam o respeito pela criação e uma justa
distribuição dos bens e dos recursos naturais.
O actual Papa não foi o único a pôr o dedo na ferida. O emérito Bento
XVI, na Carta Encíclica “Caridade
na Verdade”, assume igual condenação do sistema económico-financeiro
vigente:
- . .
. os efeitos deletérios sobre a economia real duma actividade financeira
mal utilizada e maioritariamente especulativa (n.º 21 );
- .
. . as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa
social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras
internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos
antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de
protecção eficaz por parte das associações dos trabalhadores (n.º 25);
- O grande desafio que temos diante de nós
— resultante das problemáticas do desenvolvimento neste tempo de
globalização, mas revestindo-se de maior exigência com a crise
económico-financeira — é mostrar, a nível tanto de pensamento como de
comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou atenuados os
princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a
honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão
da fraternidade podem e devem encontrar
lugar dentro da actividade económica normal. Isto é uma exigência
do homem no tempo actual, mas também da própria razão económica. Trata-se
de uma exigência simultaneamente da caridade e da verdade. (n.º 36);
- Tanto uma regulamentação do sector capaz
de assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações,
como a experimentação de novas formas de financiamento destinadas a
favorecer projectos de desenvolvimento, são experiências positivas que
hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do aforrador. (n.º 65).
No âmbito da DSI, outros Pontífices elaboraram documentos com uma
forte preocupação pela Dignidade da Pessoa Humana e condenando os excessos
económicos e financeiros: desde Leão XII, com a “Rerum
Novarum”, passando por Pio XI (“Quadragesimo
Anno”), Pio XII (mensagem de rádio na Solenidade de Pentecostes), João
XXIII (“Mater
et magistra” e “Pacem
in Terris”), Paulo VI (“Populorum
progressio” e “Octogesima
adveniens”) e, mais recentemente, João Paulo II (“Laborum
exercens”, “Sollicitudo
rei socialis” e “Centesimus
annus”). Não esquecendo os documentos do Concílio Vaticano II, com destaque
para a Constituição Pastoral “Gaudium
et Spes”.
Será que somos “papistas” só em algumas questões?
“Esta
é a hora da Igreja” (Povo de Deus e, sim, o Clero!) de intervir ainda mais
assertivamente pelo respeito dos valores e direitos da Dignidade da Pessoa
Humana e em tudo aquilo que contribua para a sua elevação, com maior
acutilância pelos mais vulneráveis.
A Igreja Católica (não, não estou enganado!), contribuiu decisivamente
para o derrube dos regimes fascista, nazi e comunista. Este liberalismo
selvagem (económico, financeiro, social, bioética, antropológico) não será
excepção, porque há um bem maior que é o Ser Humano, “criado à imagem e
semelhança de Deus”. A Igreja é “perita em Humanidade” (João Paulo II).
A Quaresma como tempo de conversão:
O período quaresmal que vivemos é o “tempo favorável” à conversão do
coração, ao olhar (de Jesus Cristo) e vivências mais fraternas e denunciador
quando é necessário. Saibamos ser dignos filhos de Deus e contribuir para uma
justa distribuição da riqueza, uma boa gestão do “Destino Universal dos Bens” e
trabalharmos afincadamente para o “Bem Comum”.
Acreditemos que não estamos condenados ao que nos querem impor e fazer
crer como inevitável, muito menos que “não é o momento oportuno para falarmos
do assunto”. Numa democracia sólida e madura é sempre tempo e há sempre espaço
para os debates da Cidadania.
Sonhemos e trabalhemos para um mundo melhor, mais habitável e
respirável.
Sejamos capazes, no nosso quotidiano, de sermos portadores de
Esperança e Alegria para um mundo novo: com mais fraternidade e justiça social para
não sermos esmagados por estruturas iníquas.
Para terminar, fica a II Leitura deste Domingo, para que nos dê força
interior:
8É que outrora éreis trevas, mas agora sois luz, no Senhor.
Procedei como filhos da luz - 9pois
o fruto da luz está em toda a espécie de bondade, justiça e verdade - 10procurando discernir o que
é agradável ao Senhor. 11E
não tomeis parte nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário,
denunciai-as. 12Porque
o que por eles é feito às escondidas, até dizê-lo é vergonhoso. 13Mas tudo isso, se
denunciado, é posto às claras pela luz;
14 pois tudo o que é posto às claras é luz. Por isso se
diz:
«Desperta, tu que dormes,
Levanta-te de entre os mortos,
e Cristo brilhará sobre ti».
Leigo cristão católico e cidadão
Mui Nobre, Leal e Invicta Cidade do Porto,
30 de Março de 2014, quarto
Domingo da Quaresma, também chamado de Domingo "Laetare" ("da
Alegria")
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