domingo, 30 de março de 2014

Manifesto "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente": apoio e divulgação da petição pública

Introdução:

A minha consciência cristã, em particular católica, por via das Sagrada Escritura e da denominada Doutrina Social da Igreja (DSI), e de cidadão levam-me a intervir neste debate a que não podemos ser indiferentes. É um direito e, simultaneamente, um dever.
Não o faço como especialista de nada, muito menos como “doutor” em economia e finanças, mas enquanto cristão comprometido e cidadão empenhado, à minha pequena escala.
O meu apoio ao Manifesto Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente (versão pdf) e à petição pública que o suporta não é feito contra ninguém em concreto, mas sim por um caminho alternativo e de fuga à ditadura de pensamento único que vivemos.
Precisamos de uma economia dinâmica e de contas públicas rigorosas, contudo tendo no centro a Dignidade da Pessoa Humana.
Podendo haver diferentes intenções por parte de quem assinou o Manifesto, mas, a mensagem, em si, é o mais importante. Existirão mais alternativas além da “oficial”. No entanto, considero que este Manifesto é muito mais respeitador do Ser Humano.
Tenhamos em conta que o documento salienta que paguemos a dívida e sejamos honrados nos nossos compromissos. Que não haja dúvidas quanto a isso. Todavia, o que se pretende é uma economia, um sistema financeiro e político ao serviço da Pessoa e não ao contrário. “O Sábado foi feito para o Homem e não o Homem para o Sábado” (Marcos 2,27).
Personalidades como Adriano Moreira (um dos maiores académicos e ilustres pensadores portugueses); Alfredo Bruto da Costa (actual presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz – CNJP-, organismo laical da Conferência Episcopal Portuguesa); Bagão Félix (antigo presidente da CNJP); Eugénio da Fonseca (Presidente da Cáritas Portuguesa); Manuela Silva (economista com fortes preocupações sociais) e Rui Marques (activista de causas sociais, fundador e presidente do extinto Movimento Esperança Portugal), católicos activos, empenhados, profundamente conhecedores e praticantes da DSI, dão um cunho de rigor ao Manifesto e de preocupação com o Bem Comum e não com o “deus mercado”.
Estas personalidades abrangem um espectro político, ideológico e de pensamento bastante alargado. No entanto, convergem no essencial: o serviço à Pessoa Humana, criada por Deus para viver em harmonia e fraternidade e não subjugada por interesses ocultos e “senhores sem rosto” (expressão dos Bispos de Portugal, numa mensagem de 10 de Novembro de 2011).

A actual situação portuguesa e europeia:

A actual situação de Portugal e dos países sob resgate financeiro ou com fortes medidas de austeridade traz-me à memória o discurso de Jesus sobre o “perdão na comunidade” (Mateus 18, 21-35), em que um servo devia dez mil talentos (quantia enorme) e, por compaixão, o seu Senhor perdoou-lhe, mas o servo já não teve a mesma atitude para com um dos seus companheiros, que lhe devia um quantia infinitamente menor: Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: “Paga o que me deves!”
Não haverá perdoados que nos estão a esganar o pescoço?
Esta semana foi publicado pela Caritas Europa o documento “A crise europeia e o seu custo humano”, segundo relatório de acompanhamento da crise em Portugal, Itália, Grécia, Espanha, Irlanda, Roménia e Chipre. As conclusões são elucidativas e preocupantes:
  • Altos níveis de desemprego, com quatro destes países a terem índices superiores aos da média da UE;
  • Elevados níveis de desemprego jovem;
  • Desemprego de longa duração em todos os países, com taxas significativas e correndo o risco de se tornar em desemprego estrutural;
  • Aumento da pobreza na maioria destes países, com particular incidência na pobreza infantil;
  • Coesão social da Europa e a legitimidade política da União Europeia em risco;
  • A insustentabilidade dos contribuintes continuarem a ser os pagadores das dívidas dos bancos;
  • A injustiça de as pessoas que pagam o preço mais alto actualmente são aquelas que não tiveram parte nas decisões que levaram à crise, e os países mais afectados estão entre aqueles com as maiores lacunas nos seus sistemas de protecção social, de modo que são menos capazes de proteger os mais frágeis.
Destacamos algumas ideias da nota de imprensa da Cáritas Portugal sobre o relatório, as quais subscrevo integralmente:
·         … injustiça da actual situação em que são os contribuintes, a maioria deles já em condições de fragilidade económica, a pagar por uma crise que tem a sua raiz no sector financeiro.
·         O relatório, hoje apresentado, pretende dar mais um contributo para uma reflexão que não pode ser exclusivamente económica e financeira, mas de ordem política mais abrangente, tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento assente numa maior equidade social.
·         Garantir que os cristãos católicos, por toda a UE, assumam o desafio de aplicar na sua vida e na esfera das suas influências os princípios da Doutrina Social da Igreja não excluindo outras opiniões, dialogando com outras confissões religiosas e partilhando os mesmos ideais com todas as pessoas de boa vontade.
·
Estão frescas, na minha lembrança, as imagens de uma fila com largas dezenas de pessoas a aguardarem a abertura de uma delegação da Segurança Social para requererem o subsídio de desemprego e outras largas dezenas, em mais do que uma vez, esperando por uma sopa quente que lhes pudesse enganar o estômago.
Esta dura realidade é muito reveladora da crise social, fruto da cegueira da austeridade a qualquer preço.

A Doutrina Social da Igreja:

Estaremos atentos à DSI e à sabedoria bíblica? Não serão suficientemente esclarecedoras quanto à centralidade da Pessoa Humana?
Só se estivermos desatentos é que não percebemos (ou fazemos não perceber) a mensagem clara do Papa Francisco, na sua primeira Exortação Apostólica, “A Alegria do Evangelho”: “Esta economia mata” porque predomina “a lei do mais forte”. São elucidativos, alguns pontos da sua Exortação:
§         Não a uma economia da exclusão [53-54]
§         Não à nova idolatria do dinheiro [55-56]
§         Confissão da fé e compromisso social [178-179]
§         O Reino que nos solicita [180-181]
§         A inclusão social dos pobres [186]
§         Unidos a Deus, ouvimos um clamor [187-192]
§         Economia e distribuição das entradas [202-208]
§         Cuidar da fragilidade [209-216]
§         O bem comum e a paz social [217-221]
§         O todo é superior à parte [234-237]

Na Intenção Universal para o mês de Abril, o Papa roga: Para que os governantes promovam o respeito pela criação e uma justa distribuição dos bens e dos recursos naturais.
O actual Papa não foi o único a pôr o dedo na ferida. O emérito Bento XVI, na Carta Encíclica “Caridade na Verdade”, assume igual condenação do sistema económico-financeiro vigente:
  •  . . . os efeitos deletérios sobre a economia real duma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa (n.º 21 );
  •  . . . as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de protecção eficaz por parte das associações dos trabalhadores (n.º 25);
  • O grande desafio que temos diante de nós — resultante das problemáticas do desenvolvimento neste tempo de globalização, mas revestindo-se de maior exigência com a crise económico-financeira — é mostrar, a nível tanto de pensamento como de comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual, mas também da própria razão económica. Trata-se de uma exigência simultaneamente da caridade e da verdade. (n.º 36);
  • Tanto uma regulamentação do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas formas de financiamento destinadas a favorecer projectos de desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do aforrador. (n.º 65).  

No âmbito da DSI, outros Pontífices elaboraram documentos com uma forte preocupação pela Dignidade da Pessoa Humana e condenando os excessos económicos e financeiros: desde Leão XII, com a “Rerum Novarum”, passando por Pio XI (“Quadragesimo Anno”), Pio XII (mensagem de rádio na Solenidade de Pentecostes), João XXIII (“Mater et magistra” e “Pacem in Terris”), Paulo VI (“Populorum progressio” e “Octogesima adveniens”) e, mais recentemente, João Paulo II (“Laborum exercens”, “Sollicitudo rei socialis” e “Centesimus annus”). Não esquecendo os documentos do Concílio Vaticano II, com destaque para a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”.
Será que somos “papistas” só em algumas questões?
“Esta é a hora da Igreja” (Povo de Deus e, sim, o Clero!) de intervir ainda mais assertivamente pelo respeito dos valores e direitos da Dignidade da Pessoa Humana e em tudo aquilo que contribua para a sua elevação, com maior acutilância pelos mais vulneráveis.
A Igreja Católica (não, não estou enganado!), contribuiu decisivamente para o derrube dos regimes fascista, nazi e comunista. Este liberalismo selvagem (económico, financeiro, social, bioética, antropológico) não será excepção, porque há um bem maior que é o Ser Humano, “criado à imagem e semelhança de Deus”. A Igreja é “perita em Humanidade” (João Paulo II).

A Quaresma como tempo de conversão:

O período quaresmal que vivemos é o “tempo favorável” à conversão do coração, ao olhar (de Jesus Cristo) e vivências mais fraternas e denunciador quando é necessário. Saibamos ser dignos filhos de Deus e contribuir para uma justa distribuição da riqueza, uma boa gestão do “Destino Universal dos Bens” e trabalharmos afincadamente para o “Bem Comum”.
Acreditemos que não estamos condenados ao que nos querem impor e fazer crer como inevitável, muito menos que “não é o momento oportuno para falarmos do assunto”. Numa democracia sólida e madura é sempre tempo e há sempre espaço para os debates da Cidadania.
Sonhemos e trabalhemos para um mundo melhor, mais habitável e respirável.
Sejamos capazes, no nosso quotidiano, de sermos portadores de Esperança e Alegria para um mundo novo: com mais fraternidade e justiça social para não sermos esmagados por estruturas iníquas.

Para terminar, fica a II Leitura deste Domingo, para que nos dê força interior:

8É que outrora éreis trevas, mas agora sois luz, no Senhor. Procedei como filhos da luz - 9pois o fruto da luz está em toda a espécie de bondade, justiça e verdade - 10procurando discernir o que é agradável ao Senhor.  11E não tomeis parte nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, denunciai-as.  12Porque o que por eles é feito às escondidas, até dizê-lo é vergonhoso.  13Mas tudo isso, se denunciado, é posto às claras pela luz;  14 pois tudo o que é posto às claras é luz. Por isso se diz:
«Desperta, tu que dormes,
Levanta-te de entre os mortos,
e Cristo brilhará sobre ti».


Sérgio Almeida
Leigo cristão católico e cidadão


Mui Nobre, Leal e Invicta Cidade do Porto,
30 de Março de 2014, quarto Domingo da Quaresma, também chamado de Domingo "Laetare" ("da Alegria")


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